LÍNGUA PORTUGUESA

Penteados africanos e a importância dos cabelos como marca étnica

  O cabelo do afrodescendente certamente é parte intricada do perfil estético que compreende a identidade negra. A relação que cada um tem com seu cabelo é muito particular. O fato de saber ou não lidar com ele determina a forma como é aceito. Além disso, as possibilidades de informação que cada um tem e as experiências vividas desde a infância até a idade adulta fazem com que as pessoas criem diferentes conceitos sobre a forma como encaram seu cabelo e traços, descendentes das populações que vieram do continente africano. Há também que se considerar as noções de alteridade que cada um tem, que em geral causam um "despertar" para o reconhecimento de uma identidade própria, frente ao espelho e à sociedade.
 Assim, pretende-se aqui, tratar do modo como se fortaleceu a identidade do afrodescendente no Brasil pelo viés da arte de penteados para cabelos deste perfil.
Abordando a forma como se difundiu e aperfeiçoou aqui, os arranjos do cabelo, como cultura que já foi tão ratificante, fundamental e representativa no outro continente.
Refletindo especialmente sobre a conexão que esta tem hoje com o fomento da cultura e identidade da cidade de Salvador - Bahia.

   Para tanto, serão consideradas pesquisas bibliográficas e observações baseadas em pesquisa de campo sobre as condições de trabalho de trançadeiras(os) atuantes em locais turísticos da cidade e que fazem parte da Associação: ASSOTRAN. 
LEGADO ÉTINICO-CULTURAL
  As memórias presentes no imaginário do afrodescendente são muito ricas em histórias, costumes e mitologias, que fazem continuar uma África além-Atlantico e outra reinventada aqui. De acordo com Raul Lody, ao lado das culturas nativas, a cultura africana é especialmente importante na história dos países que foram escravocratas. É preciso considerar a influência africana nos conceitos estéticos dos colonizadores e a participação de sua cultura na formação da identidade dessas civilizações.  
 Segundo o autor, na cultura africana, o corpo é um espaço de manifestação artística, especialmente a cabeça, de modo que, segundo LODY, R. "os cabelos e os penteados assumem para o africano e os afrodescendentes a importância deresgatar, pela estética, memórias ancestrais, memórias próximas, familiares e cotidianas." 
Bem como o efeito dos cabelos, outros elementos são incorporados à imagem, como cita Jocélio Teles dos Santos, "a maquiagem negra circunscrita à reprodução de um estilo afro "autêntico ou estilizado" remete para a importância do rosto na valorização de traços e do tipo físico, tornando o cabelo um elemento fundamental na constituição do que seja a beleza negra." Assim as tradições trazidas da África negra assumem um novo colorido, também marcante na América miscigenada e contemporânea.
Referindo-se à diferentes representações que a arte dos penteados afro já teve, Nilma Lino Gomes (2003), em seu artigo, lembra que "(...) no início do século XV o cabelo funcionava como um condutor de mensagens na maioria das sociedades africanas ocidentais." E, de acordo com a mesma, "nessas culturas o cabelo era parte integrante de um complexo sistema de linguagem."
  O artigo ainda reporta que, desde o surgimento da civilização africana, o estilo do cabelo era usado para indicar o estado civil, a origem da pessoa, a idade, a religião, a identidade étnica, a riqueza e a posição social. E em certas culturas, até o sobrenome de uma pessoa podia ser delatado pelo exame do cabelo, criando deste modo, formas únicas para cada clã. Além disso, um estilo particular de cabelo poderia ser usado para atrair a pessoa do sexo oposto ou como sinal de um ritual religioso.
"O significado social do cabelo era uma riqueza para o africano. Dessa forma, os aspectos estéticos assumiam um lugar de importância na vida cultural das diferentes etnias."(GOMES, N. L. 2003) Esta, afirma ainda que, na Nigéria, se uma mulher deixasse o cabelo despenteado, para alguns povos, era sinal de que alguma coisa estava errada, que a mulher estava de luto, deprimida ou suja. Já para outros, um cabelo despenteado ou sujo, implicava que a mulher tinha "perdido" a moral ou era insana.
Ainda que hoje, no Brasil, as formas de usar os cabelos não tenham significados tão determinantes, é relevante lembrar que além da utilidade inerente do ato de "arrumar" o cabelo, a cultura ainda tem códigos muito próprios para justificar tal ato; Já que esta pode ser considerada como um modo de viver, pensar e sentir o mundo, expressos de forma comum entre pessoas de mesma cultura. Para Raul Lody "tocar a cabeça, pentear cabelos, organizar esteticamente penteados são atividades tão antigas e tão importantes como as mais notáveis descobertas do homem."
   Entre algumas das culturas africanas que vieram para o Brasil na diáspora, estão a dos povos Wolof, Mende, Mandingo e Iorubás. De forma que, aqui tais culturas se adaptaram e se remodelaram. Ou seja, alguns significados deixaram de existir ou foram reinventados, assim como as técnicas, que apesar de alteradas, resistiram ao tempo e espaço. Como afirma Nilma Lino:
 A força simbólica do cabelo para os africanos continua de maneira recriada e ressignificada entre nós, seus descendentes. Ela pode ser vista nas práticas cotidianas e nas intervenções estéticas desenvolvidas pelas cabeleireiras e cabeleireiros étnicos, pelas trançadeiras em domicílio, pela família negra que corta e penteia cabelos dos meninos e meninas.Podem ser vistas também nas  tranças, nos dreads e penteados usados pela juventude negra e branca. Se no processo da escravidão o negro não encontrava no seu cotidiano um lugar, quer fosse público ou privado, para celebrar o cabelo como se fazia na África, no mundo contemporâneo alguns espaços foram construídos para atender a essa prática cultural. (GOMES N. L. 2003)
Assim, atualmente, após o auge dos movimentos da moda Afro, é possível notar-se certa ruptura de paradigmas e pré-conceitos raciais que foram construídos historicamente no país. Hoje, em cidades nas quais a quantidade populacional de afrodescendentes é relevante, há ambientes encorajados e fortalecidos pela mídia para as práticas profissionais que enaltecem a beleza do negro.
A unidade do imaginário africano se materializa nas manifestações estéticas integradas à vida e à sociedade, de forma que para os africanos e afrodescendentes, as artes do corpo são processo que constroem o amplo e diverso campo da arte, que também é a do uso, a da transformação e da experiência cotidiana.
  Expondo o modo como a identidade africana se recria em nosso território, pretende-se aqui enfatizar a relevância que a tradição de penteados afro tem para a atratividade turística no país, considerando a relação que esta tem como a imagem da cultura rica e miscigenada que exportamos.

   
 
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário